terça-feira, 24 de abril de 2012

Memórias póstumas de Anita Glaudino.

 Eu estou deitada nessa cama e não consigo me levantar, toda vez que tento acabo caindo. Quando eu estava no Rio não senti nada, mas dentro do avião começaram a surgir os primeiros espirros. Todos me olhavam com uma cara de medo, eu acho que isso é resultado das gripes de não sei das quantas. Quando sai a gripe equina mesmo?
 Marcos foi comprar remédios. REMÉDIOS DE VERDADE, LEU? NADA DE DROGAS. Ele ainda nem contou como foram os dias dele sem mim. Devem ter sido melhores. Pelo menos ele não precisou cuidar de ninguém, deve ter curtido muita breja com os amigos. Espero que sim.
 Eu tive pesadelos com aquela "Reunião familiar", eu até agora me arrepio toda com as caras, com aquelas bocas salivando pela casa. Eu acho que eles não entenderam que só tinham 3 opções. Devem ter criado uma expectativa naquele testamento ridículo. Minha vó riu da cara de todos, grande vó Alice.
 Isso já é passado, preciso pensar no que escrever amanhã para a revista. Pelo menos não terei reunião com o povo de lá, isso só será semana que vem.
 Agora eu espero o Marcos voltar com os remédios para tentar me levantar daqui. Cansei de ver esse teto.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Do you know me, dude?


"Eu não peguei atalhos
Eu gastei o dinheiro que tinha economizado,
Oh, mamãe, está sem muita sorte
Como minha irmã, não dá a miníma."





Reunião familiar parte 4.

E a casa vai para...Dona Carmem.
Confirmaram o óbvio ou o quê? Dentre 3 opções só poderia ser aquela que por erro divino é a minha mãe.
Ainda bem que terminou.
Não curti a night com a minha tia.
Estou gripada, estou com febre, mas o meu marido está cuidando de mim como se eu fosse um bebê. Tenho que aproveitar essa ultima gota de Marcos que tenho essa semana.


Depois escrevo mais.

sábado, 21 de abril de 2012

Nossa conversa virou post.

 Olá, Drª  Claudia, resolvi que aquilo que conversamos ontem pelo telefone virasse um post. É que o jeito que eu falei sobre mim foi tão bom, mais tão bom que me surpreendi.
 Leia:

-Como está sendo esse tempo aí no Rio, Anita? Li que você está tentando não fugir da situação e achei isso muito bom.


-Estou tentando? Não consegui fugir. Eu penso em desistir, penso em ir embora para o meu lar, me trancar no meu quarto junto com os meus "remédios". Eu ainda não sinto preparada para enfrentar a fera de frente.


-Quem é a fera?


- Minha mãe.


-Você não disse que não se importava com ela?


- Eu finjo o tempo todo não ser gente. Eu digo que não sinto, não odeio, não amo. Eu tenho dificuldade enorme em ser ser humano. É complicado. Dói, não gosto de sentir dor, ninguém gosta. Eu não sei se com as outras pessoas é assim e é isso que me dói mais. Será que sou estranha? Como vocês sobrevivem?


- Todos fingem, Anita.


- Fingem, mas não fogem. Eu já não sei para onde eu devo ir mais, porque agora tenho o Marcos para me segurar. Se eu pudesse, fugir desse país...


- Os problemas irão te acompanhar. Você sabe disso, sabe tanto que usa drogas. Fico feliz em saber que você parou com isso. Agora, você deveria beber menos e fumar menos também.


-Eu deveria fazer tanta coisa, mas não faço. Preciso dessas muletas, preciso muito delas...


Linda conversa.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Reunião familiar parte 3

 Cheguei de táxi numa chuva digna de um dilúvio. Sinal divino, alguns diriam, mas prefiro não pensar em nada disso. E eu não conseguia achar o dinheiro para pagar o taxista que soava e tinha cara de porco. "Mal chego e passo vexame", pensei logo. Mas aí achei a grana e percebi uma enorme quantidade de gente conhecida esperando na chuva para que abrissem o portão do fórum. Querido passado, vá para o inferno!
 Eram tias, tios, primos e primas, com alguns eu até falava e com outros eu nem fazia questão. Cumprimentei todos de forma rápida para evitar comentários, perguntas e chatices. Não encontrei a minha mãe, mas dei de cara logo com o meu pai. O cara fez muita merda, mas eu não sei odiá-lo de jeito algum. Fui correndo como uma menininha de 10 anos, abracei-o forte e ele bagunçou o meu cabelo. Perguntou se estava bem e o que eu achava dessa situação tão chata, nem respondi, continuei apertando o meu pai fazendo daquele lugar feio e frio um outro, só que mágico.
 Aquele momento de calmaria logo passou quando a Dona Carmem chegou com a filha Sônia, vamos esquecer essa coisa de mamãe, filhinha e irmãzinha, nunca me amaram, não tem porque eu ficar com essa doçura toda. Pareciam dois urubus, não era a cor da vestimenta, mas pela cara de fome na carcaça da minha vó. Eu comecei a soar frio, meu pai percebeu e disse baixinho "Keep calm, baby". Obedeci. É muito complicado tudo isso para mim, entende? Eu odeio muita gente e não tenho vergonha disso, mas eles não são sangue do meu sangue, ninguém me pariu; eu não me conformo com esse ódio da minha mãe. A minha irmã é uma burra que nem quis saber da minha versão nessa história toda. Burros só fazem burrices.
  Elas chegaram e as parentadas foram todas para o lado delas. Nojo daquele povo. Eles viram anos aquela mulher me agredindo e não fizeram nada, achavam que os erros do meu pai deveriam ser pagos por mim. Os parentes cochichavam olhando para o meu lado eu apostaria a minha alma que eles estavam falando o quão errada sou.
  Aquela tortura só me fez lembrar dos tempos de escola quando as menininhas, as patricinhas. Ficavam falando e apontando para mim como se eu fosse um ser de outro planeta. Elas tocavam na minha jaqueta cheia de rebites com uma cara de nojo, porque eu era um ser inferior. É impossível não lembrar disso.
  Tomei coragem e fui falar com elas, até diria que tomei burrice e fui falar com elas. Aquelas caras de nojo, aquele lugar tão estranho. Perguntei como ambas estavam e se o showzinho estava bom, minha mãe respondeu que só falaria comigo lá dentro.
 


Tem mais nos próximos capítulos...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Falando em Tia Rita.

 Eu deveria ter uns 15 anos, foi nessa idade que arranjei um namorado. Ele era mais velho do que eu, digo, 16 anos mais velho.
 Ele morava na frente da casa da Tia Rita e era sempre ali naquela rua em que o vidro do carro dele embaçava (entende?).
 Certo dia, titia resolveu ficar na calçada. Era engraçado ver aquela figura baixinha jogando a fumaça no ar, com a mão na cintura e batendo o pezinho. Saí do carro com o cabelo bagunçado, maquiagem borrada e com cara de cansada, fui em direção à ela, porque eu sempre acabava dormindo lá para ficar perto da casa do meu namorado. Tia Rita me olhou bem  e perguntou:

- Já está parando na pista, Anita? 

 Eu nem entendi a expressão naquela época, eu só conhecia a música do Raul Seixas, mas nem sabia o significado.
 E eu respondi:

-Como é, tia? Tá tudo bem, não paramos na pista não. Ninguém quer morrer.


Ela balançou a cabeça como se tivesse negando algo e me deu um cigarro de sua carteira. Sabia fazer 'aquilo', mas não entendia, tão menina!

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Reunião familiar parte 2

 Estou no Rio de janeiro, minha cidade maravilhosa, lugar aonde eu posso falar "fosssshhhhhhoro" sem que ninguém me olhe estranho. Essa brisa do mar desentope as minhas narinas, faz o meu cabelo balançar e esquecer o que devo fazer aqui. Saco!
 Saí bem cedo de São Paulo, nem tive tanta vontade de acordar. O Marcos levou café na cama e me pediu para eu ter paciência que só era uma reunião babaca. Vou fazer o que ele me pediu, afinal, tem razão, eu até acrescentaria mais uma coisa: Reunião babaca com gente babaca.
 Não tenho um puto para pagar a minha hospedagem, mas tenho a minha tia Rita. Tia solteirona, loiraça, bebe cerveja para caramba e é muito louca, nem parece ser irmã da minha mãe. Ela sempre me contava as histórias dela com ex-namorados, de quando tirou umas fotos nua e de como todo mundo a julgava mal. Tia Rita era a melhor filha da vó Alice e recebeu a casa que ela mora hoje como herança dos anos que cuidou dela.
 Tia Rita não vai participar da reunião, achou desnecessário. Acha que vai ser uma coisa muito punk e que o que é dela de direito já tem em mãos. Certa ela. Mulher alegre, longe das caretices desse mundo, nunca que vai gastar seu rebolado indo num lugar cheio de gente com a energia turva. Atitude de mulher superior.
 Perguntei se ela estava namorando, ela respondeu que a coisa anda complicada. Tem muito garotão se achando esperto e muito coroa pé rapado. Eu ri como há tempos não ria. Disse à ela que anda precisando sair um pouco comigo e que quando terminasse essa de herança a gente ia curtir uma night juntas. Tia Rita soltou um "Urruul" e foi lavar uma penca de roupas, que segundo ela, estava há uma semana lá.
 Enquanto estou aqui relaxando, tomando uma cerveja e fumando o meu cigarro, fico imaginando o que a minha mãe e a minha irmã estão tramando contra a mim. Vão dizer que sou a filha que abandonou a família, que usa drogas e bebe pra caralho. Honestamente? Se eu ficar com a casa da minha vó vou vendê-la e a grana vou doar para algum hospital que trate pessoas com câncer, doença qual levou a minha vó. Não faço questão nenhuma dessa grana maldita, eu tenho o meu emprego, a minha casa e uma graninha do meu marido. É certo que ganho pouco com o que faço, mas pelo menos sou feliz.
 Preciso parar de beber agora, porque hoje temos a primeira parte da droga da reunião e eu não que chocar todo mundo.
 Estou aqui dando uma de Tia Rita, mas na verdade está sendo tudo complicado para mim, Drª Cláudia.